sábado, 28 de maio de 2011

Jaime Sodré comenta os "325 anos" pretos


325 ANOS DOS PRETOS

Não sabemos se por auto definição remetente à África, os “homens pretos” queriam ser tratados como tal, “pretos”, ou por imposição social típica da época em que pretos eram apartados dos brancos, ou um ato de fé pela impossibilidade de frequentar a “Igreja dos brancos”. Eles queriam uma igreja só para si, irmandade de pretos iguais, uma “bi-pertença” caridosa e especial.
Assim nascera a Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora às Portas do Carmo – Irmandade dos Homens Pretos de Salvador. No século XVIII, o franciscano Frei Jaboatão demonstrara o interesse dos “pretos” nas irmandades, sendo as mais requeridas as de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, “o santo preto de Palermo”, informa Renato da Silveira. Frei Agostinho de Santa Maria notificou a existência de 27 imagens de devoção pública no espaço baiano e doze irmandades de “homens pretos”, devotos foros e cativos. Para Antonia Quintão, São Benedito foi, na Bahia, o santo preto de maior prestígio junto a outros “pretos”, a exemplo de Santa Efigênia, Santo Elesbão, Santo Rei Baltazar e o popularíssimo Santo Antônio de Categeró. As irmandades eram espaços de pertenças étnicas, associativas, “previdenciárias”, local de construção e manutenção de uma identidade “negro-preta” nos Setecentos. As irmandades eram instaladas em templos seculares ou conventuais, abrigando várias confrarias, como os altares laterais da Conceição da Praia, que entre outras, resguardava a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário “dos Brancos”, e a de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário “dos Pretos”. Os compromissos definiam a especificidade dessas agremiações, de vínculos corporativos, afinidades profissionais, de gênero ou origem e trabalhadores, lembra Maria Helena Flexor. Algumas requeriam “pureza de sangue”, ou seja, a não ascendência de judeu, mouro, índio, negro ou qualquer outra “raça infecta”. Informa Renato da Silveira que a Ordem Terceira de São Francisco e Irmandade dos Santos Passos de Cristo, instalada no Convento do Carmo exigia esta “pureza”. A devoção de Nossa Senhora do Rosário, prestigiada junto aos pretos, cativos e forros, concentrada na antiga Catedral da Sé, remonta ao século XVII. Segundo Frei Agostinho, a imagem era “bem mais antiga do que a Senhora do Amparo dos pardos livres”, a do Rosário dos Pretos tinha o seu compromisso datado de 1685, e entre os anos de 1703 a 1704 iniciara a construção da sua Capela às Portas do Carmo. Outras irmandades de pretos foram criadas, destacando-se a de Santo Antônio do Categeró e a de São Benedito da Paria. Definidas como associações de caráter religiosa leiga, estas confrarias incentivadas pela Igreja, eram espelhadas em devoções que nos remetem a Portugal. Extrapolavam o universo religioso, destacando os seus aspectos recreativo, social, de prestígio e resistência de valores da africanidade, ajuda aos enfermos e carentes, funerais, alforria e contra os maus-tratos. Não é à toa que no caso da Irmandade dos Pretos de Salvador tenha como articuladores e construtores do seu templo os oriundos de Luanda, onde desde o século XVII já existia naquela localidade uma Igreja do Rosário e a imagem de São Benedito. As Irmandades tinham vinculações étnicas: Nossa Senhora dos Remédios, da Costa da Mina; Senhor Bom Jesus das Necessidades, do povo jeje; Barroquinha, dos jeje-nagô. Eram espaços das relações entre as culturas europeias e africanas, funcionavam na preservação e difusão da experiência africana, legitimação da comunidade, reação às coerções católicas, mas também local de controle desta própria Igreja. A mesa diretora era dirigida pelos da “raça”, visto que o Compromisso de 1820 pedia o afastamento dos brancos da mesma. Em 1769 fora ordenada por um compromisso aprovado por Lisboa, no ano 1781 fora elevada à categoria de Ordem Terceira. A irmandade requereu o atual terreno e heroicamente construiu a sua Igreja, que tem no seu Altar-Mor Nossa Senhora do Rosário. Parabéns à Mesa Administrativa que tem como Prior o competente Júlio César, e uma homenagem especial a D. Nolair, a mais idosa Visitadora.

Fonte: IRDEB (PAPO DE CRIOUL@)