terça-feira, 14 de junho de 2011

"O desmonte da alma baiana vem de longe..." Fernando Coelho


O desmonte da alma baiana vem de longe. 
O Pelourinho enterrado no desgosto. A ladeira, de moleques e povos, de escritores e pensadores, do mundo, prensada entre o descaso e a miséria. O espírito baiano não tem mais oxigênio. Na Bahia, os espíritos precisam de ar. São o som da inteligência invisível. Dos pretos enterrados há muito, com seus sonhos misturados ao éleo de baleia que unta os tijolos das igrejas, sobrem o suor. Apenas.
Nas pedras cabeça de negro, corrimão dos nossos pés nas ladeiras surradas do Pelô, sobram o cuspe velho dos áulicos novos. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Pelourinho, na Europa, seria um tesouro. Para o baiano é um estorvo. Mas, do que é feita a alma baiana, desmontada? Mas do que é feito o espírito baiano, esmaecido com o mata-borrão da burocracia? De que barro é feito o brasileiro? Como é o retrato da autoridade baiana?  Igual ao de Brasília? A morte da tradição baiana não tem velório. Não tem verba para velas. Não tem verba para as carpideiras. Alguém, como eu, já foi chorar na sacristia da Igreja do Rosário? Alguém, como eu, já ficou enterrado até o pescoço, naquele silêncio  de final de dia, alí, no antigo cemitério de negros, pensando na dor e no sofrimento, e ainda assim, na vida e na vitória?

É ali na Igreja do Rosário que está o umbigo de Salvador. É ali onde os chefes das salas oficiais querem que seja o calvário da preservação. O mórbido caixão do despreparo histórico, do reconhecimento da História, do respeito à fidalguia do nosso nascimento. Vamos salvar esta igreja. Porque o futuro das autoridades perdidas entre papéis, votos e nada, não tem salvação.
A Bahia precisa se respeitar. O baiano precisa se respeitar. Lembrar-se mais da quarta-feira de cinzas do que do carnaval.
Os cordeiros de Salvador, de mãos mais sangradas, com falta de comida em casa, com falta de dinheiro pro ônibus, são mais autoridade do que os que dominam os destinos de um povo que somente ouve, e ouve. Mas não era assim. Cadê Gregório de Mattos, Cosme de Farias, Cuica de Santo Amaro? Precisamos de Jorge Amado, Mestre Bimba e Pastinha, Calasans e Carlos Bastos.
Precisamos de Mãe Senhora, de Mãe Menininha que nos abençoam de cima. Precisamos de Odé Kayodê, Mãe Stella de Oxóssi, que nos ouve e vê ali da rua Direta de São Gonçalo do Retiro. Ainda precisamos do dono da praça, que deu a praça para o povo: Castro Alves. 
Precisamos dos que se foram, porque os que ficaram estão mudos. Se não é possível salvar o Terreiro de Jesus e o Pelourinho, que mais pertence à Unesco do que ao Brasil, tentemos salvar a pequena igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Prestos do Pelourinho. É preciso ouvir mais Clarindo Silva, preto velho, homem sem temor, o último guerreiro que não deixa a cidadela do Pelô, de vez, ser invadida pela contra-mão da visão modernista e oportunista dos gabinetes. Ouvir Clarindo Silva é ouvir a voz dos becos e do povo excluído do Pelourinho. Salvemos esta igrejinha, escondida no seu manto de azul que tanto ilumina o frontal da Baía de Todos os Santos lá de cima. Ela é um patrimônio nacional. Assim, já estaremos fazendo alguma coisa pelo nosso destino.
Este relato que nos manda Patricia Bernardes Sousa, é a prova cruel de nossa falta de civilidade e amor pelo que somos.

Fernando Coelho

 
Companhia de Comunicação
 Jornalista e escritor Fernando Coelho
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